Como falar de inseto: o mise en place
Como já estabelecemos anteriormente, nossos queridos bichinhos rastejantes não são tão queridos assim para a maioria das pessoas. Mas, queridos ou não, eles são inevitáveis! A interação com toda sorte de insetos e correlatos é praticamente uma certeza. Mas o resultado dessa interação - se termina em uma chinelada ou numa respeitosa escolta para fora de casa - vai depender expressamente da visão que a pessoa tem desses animais. Falar de inseto pode ser bem desafiador - até mesmo se o seu público alvo são justamente estudantes de biologia, acredite! Mas existem algumas formas e assuntos que podem ajudar a estabelecer esse diálogo e, se tudo der certo, vou conseguir contribuir um pouquinho com você a partir desse texto. Bora?
Antes de encarar o conteúdo em si, vamos ao mise en place - a organização, o preparo de nossa mentalidade para embarcar nesse tema repleto de pernas. Não quero soar como um coach aqui, mas se você já faz ou pretende começar nesse lance de falar ou criar conteúdo sobre bichos por aí, você pode acabar se beneficiando das reflexões a seguir.
Talvez a primeira noção que eu poderia trazer, e que facilmente passa despercebida quando assumimos a persona de um comunicador, é que estaremos lidando com os sentimentos das pessoas. Isso vai muito além de enxergá-las como grandes jarras vazias, que precisam desesperadamente serem enchidas de informações e fatos até que subitamente se passe a amar até as lacraias que escalam os ralos de seus banheiros. Não só as informações obtidas durante o ensino formal e informal, mas tudo que se ouve falar, tudo que se vê fazer, tudo que se assistiu no jornal, na novela e redes sociais, todos os encontros não solicitados, todas as vivências, enfim, moldam o imaginário de uma pessoa sobre os animais - sobre tudo na real, né. E, geralmente, a imagem pintada não é muito bonita quando se trata dos artrópodes. Os acidentes lamentáveis se sobrepõem à sua magnífica importância, as “pragas urbanas” se sobrepõem à sua imensurável diversidade, as picadas, doenças, o nojo e o medo se sobrepõem à significância do maior e mais diverso grupo de animais do único planeta em que vivemos.
Entende como não é questão, puramente, de falta de conhecimento? Não adianta nada falar pra pessoa que baratas domésticas são inofensivas, isso não vai apagar de sua memória aquela vez em que uma voou bem no meio de suas costas! Chega deu um calafrio aí, né? Sentimento não se muda na base da martelada de informações e eu tenho certeza que você viu isso de perto com toda a situação da pandemia, do negacionismo científico sobre a vacinação e toda a badtrip envolvida. Tendo em mente essa base você ao menos já se prepara melhor para encarar a frustração dos comentários maldosos sobre eles - sobretudo se a sua atuação for na internet, onde seu conteúdo pode navegar por águas distantes e turbulentas. Com essa fundamentação psicológica, podemos adicionar outro ingrediente à mesa: a humildade.
Sejamos sinceros, é muito chato insistir. Chato para quem insiste e para quem “é insistido”. Na sua postagem, no seu stand, na sua ação social ou naquele papo durante o churrasco eventualmente VAI acontecer de chegar alguém que tá tão fechado sobre o assunto que não vale a energia de tentar se convencer. E cara, tá tudo bem. Pessoas tem vivências, opiniões formadas e mesmo traumas onde realmente não há muito o que fazer. Mas assim, você não tá numa missão de salvamento! As vezes o tempo que você perde num beco sem saída, você já teria inspirado 3 ou 4 pessoas a tirar foto de inseto por aí. Independente da forma que você faça sua comunicação sobre os bichos, o importante é que seja feita com respeito. Respeito pelos sentimentos do ouvinte, pelo seu trabalho, seus ideais e, é claro, pelos bichos. É um processo trabalhoso, mas desenvolver a humildade de entender até onde você alcança ou deve alcançar na sua atividade, no seu papo, na sua comunicação vai tornar seu processo mais leve e seus objetivos mais claros. Por falar nisso, quais são mesmo seus objetivos em espalhar a palavra invertebrada por aí?
Quando eu me propus começar a colocar minhas fotografias de insetos na linha do tempo do Twitter, no início de 2020, meu objetivo inicial era puramente trazer à tela dos usuários daquela rede social as curiosas criaturas que tive a sorte de encontrar na escuridão das florestas. Pensava eu que, poxa, todos mereciam ver esses bichinhos que não se encontram todos os dias. Eu até cometia alguns episódios de comunicador e educador, me aproveitando da situação flagrada na foto para informar algo curioso. Numa dessas fui notado pelo gigante Bruno/ Observações Naturalistas, grande colega da invertebradolândia, que compartilhou algumas de minhas postagens e me fez alcançar mais e mais gente. Não muito tempo depois, de 100 pessoas já eram 5.000 acompanhando minhas coisinhas e, mais ou menos por aí, meu objetivo inicial foi ficando turvo em meio a outros objetivos que foram surgindo com a visibilidade, o contexto daquela rede social e minha vida acadêmica naquele momento. De um objetivo simples passei a querer informar, educar e continuar a dar visibilidade aos insetos; a querer discutir sobre divulgação cientifica e educação ambiental com colegas e figuras influentes; a querer dar voz a pesquisadores, educadores, projetos e grupos relacionados ao meio ambiente e por aí vai. Comecei a querer abraçar o mundo como pesquisador, comunicador, educador e influenciador - tudo de forma voluntária, com o máximo de responsabilidade possível, enquanto me dedicava ao mestrado e buscava a sobrevivência. O que aconteceu? Isso mesmo, cansei! Meu prazer virou cobrança e acabei saturado. As postagens mais simples se transformavam em procrastinação até eu finalmente entender que, apesar de me sentir de certa forma responsável a ocupar aquele espaço, eu não o queria mais. Aí o bilionário doidão comprou a rede e enterrou qualquer vontade que eu teria de tentar novamente por lá - o que tá tudo bem, tenho gostado bem mais daqui agora.
Contei toda essa história só pra mostrar um pouco como objetivos são fluidos, evoluem com o contexto e que uma hora podem te afogar. É difícil manter o foco, sobretudo nas redes sociais, mas só de pensar sobre isso pode, talvez, te poupar de uma sobrecarga. O que você quer fazer em relação aos bichos? Entre desmistificar, popularizar, identificar, mostrar a diversidade, trazer informações, divulgar pesquisas, realizar debates e etc., há muito trabalho legal a se fazer - e muita demanda também. Podemos escolher uma ou várias dessas (e outras!) coisas como objetivos, transitar entre eles, experimentá-los para ver o que combina mais com nossos interesses ou com o que a gente é bom em fazer. Só que cada um tem uma forma de ser trabalhado, uma linguagem, uma identidade, uma aproximação, uma quantidade de esforço para produzir - no virtual e também no presencial. É isso que vai precisar ser levado em conta na hora do seu planejamento, se você não quiser ser engolido pelos objetivos até perder o tesão na parada.
Mas e aí, qual que é a tua vibe nisso tudo? Qual teu plano? É criar uma página nas redes sociais pra falar de bicho? Participar nas páginas do teu laboratório ou grupo de pesquisa/ divulgação? Texto ou vídeo? Ou seria uma parada mais presencial tipo montar umas mini exposições com teus colegas da faculdade? É um projeto com planejamento, pautas e avaliações, ou é algo bem casual, fazendo o que você quiser na hora que você quiser? Cara, eu acho tudo válido. Depende, claro, da tua postura nisso tudo. Se apresentar como divulgador, educador, comunicador vai exigir alguns cuidados, até porque eventualmente você vai acabar sendo cobrado pelos seguidores - e com razão! Por outro lado, se aproveitar da tua experiência pra eventualmente dar um pitaco aqui, uma informação ali, dar uma identificada e tal também é show de bola ao meu ver. Como “especialista” (não gosto muito do termo, mas tem meu nome nos diplomas né), eu acho que de uma forma ou de outra o ideal é você estar sempre protegido pelo seu embasamento na hora da afirmação e, na hora da dúvida, pela sua humildade em deixar claro que pode estar errado. O “não sei” é uma das suas cartas mais poderosas. Seja qual for a plataforma, a frequência e a mídia que você vai escolher nessa caminhada, a efetividade da sua mensagem vai estar fielmente lastreada à sua linguagem.
Já reparou que dos muitos dos conteúdos que a gente esbarra navegando por aí, tem uns que a gente se identifica mais facilmente com a comunicação? Poderíamos ouvir aquela pessoa falando por horas, o conteúdo tem aquele “molho”, ela entendeu uma forma de se fazer interessante no contexto específico daquela rede social, daquela mídia que você tá consumindo. E é aqui que a gente “separa as crianças dos adultos”. Entender o jeito de falar é um exercício de observação e uma prática de se expressar importantíssima na hora de passar a mensagem. Você fala com sua mãe igual você fala com seus melhores amigos? Você escreve suas postagens do Instagram igual seus Tweets? Duvido muito! É mais ou menos por aí que vão as nuances da forma de se comunicar que eu quero trazer aqui. Muitas vezes temos pesquisadores excepcionais, os maiores de suas áreas com uma experiência absurda, mas aí na hora de falar do seu trabalho em determinada plataforma parece um copia e cola de um artigo científico - muito preciso, mas pouco palatável. O contrário, digamos assim, também acontece com muita frequência. Vemos estudantes em início de carreira com centenas de milhares de seguidores falando, entre outros, pequenos absurdos em seus perfis, mas com muito carisma e gabaritando o formato e a linguagem da rede. Geralmente esses dois personagens descritos, caso se encontrem, acabam se odiando e trocando farpas. Been there, done that. Vendo um pouquinho de longe entendemos que um poderia aprender muito com o outro. Percebe como linguagem é importante? Se você for encarar um projeto falando de bicho, a adaptação de linguagem vai ser um item fundamental. E, claro, isso vale para ambientes virtuais e não virtuais. Da mesma forma que uma rede social tem sua cultura própria, num stand em praça pública você vai ter que se preparar pra falar com crianças, adultos e idosos com diferentes vivências. É doideira, mas é legal, eu juro.
Hoje tentei trazer uma base “filosófica” e de planejamento, um preparo para desbravar a comunicação e/ou a criação de conteúdo sobre invertebrados. Tudo que trouxe nesse texto é fruto de observação de personagens e espaços como os descritos, tanto anedoticamente - como consumidor e produtor de conteúdo - quanto mais empiricamente, tendo feito uma dissertação sobre o tema. Você que está me lendo, se tudo der certo, sai com outro olhar sobre essas coisas. Eu, no momento, não me enquadro mais em um projeto de comunicação sobre os bichos. Mantenho meus perfis nas redes, mas apenas casualmente vou lá e comento algo legal que vi, compartilho o árduo trabalho dos meus colegas e interajo com quem ainda lembra de mim a ponto de me perguntar que bicho é aquele que entrou em sua casa sem permissão. Gostaria de estar fazendo mais, mas não consigo agora, preciso me encontrar em outros caminhos primeiro. Se você, como eu, acabou se afogando nos objetivos mas quer tentar de novo ou continuar, bota no papel essas ideias. Avalia a experiência que você teve, o que você mais gostou de produzir, sua disponibilidade atualmente e vambora! Até lá, estamos aqui. Devagarzinho, mas com muito carinho, tentando algo diferente. No próximo episódio de “Como falar de inseto” eu vou trazer sugestões de temas, assuntos e estratégias pra você falar sobre eles e envolver seu público alvo (:
Caso esse texto tenha sido de qualquer forma útil pra você e seus projetos, eu gostaria MUITO de saber! Me manda seu feedback por e-mail ou DM no Twitter/ Instagram por favor - vou até reativar meu “gato curioso” para quem tiver vergonha de me contatar diretamente. Todos os links aqui. Vou tentar não demorar tanto para aparecer de novo (:
Muito obrigado mesmo pela sua atenção, espero que tenha gostado!
Por hoje é só.